O Mágico de Oz – L. Frank Baum [Breve comentário]

interlunio46-ozUma das grandes qualidades de O Mágico de Oz é a sensação que ele dá ao leitor de que se trata de uma história há muito contada, um conto de fadas que vem sendo passado de geração a geração inúmeras vezes, apesar de ser uma história publicada em 1900. E era o que o autor desejava: construir um conto de fadas moderno sem a violência extrema dos clássicos (ainda que haja sim certa violência em O Mágico de Oz).

Isso fica claro na estrutura do livro, com tantas repetições e ações de 3 passos: ela encontra 3 amigos no caminho, o chapéu mágico dá 3 desejos a quem o usa, etc. Além disso, como é típico dos contos de fada, a história começa com sua saída de casa para entrar em contato com o mundo, causar mudança por onde passa e assim retornar mais madura e valorizando o que havia deixado. Ainda por cima Baum tem o mérito de oferecer boas mensagens às crianças sutilmente, sem didatismos, com belas passagens simbólicas, a ponto de agradar adultos também.

Duna – Frank Herbert

48_dunaSempre que imaginamos um futuro distante, a sensação é de que a humanidade estará cada vez mais conectada ao mundo digital e as máquinas tomarão conta do nosso cotidiano. No entanto também podemos considerar que esta realidade poderá não nos agradar muito quando ela ultrapassar um certo limite: o limite que tira o ser humano do centro e o torna dispensável. Existem muitas histórias de ficção-científica que retratam o perigo da inteligência artificial tomando o controle das coisas, mas curiosamente em Duna temos um futuro possível mais distante ainda, um momento em que se tomou tanta consciência desse perigo, que as “máquinas pensantes” se tornaram proibidas e há muito banidas do universo. Esse passo para trás na História, ou sob outro ponto de vista, esse movimento histórico circular que traz de volta um sistema semelhante ao feudalismo medieval, dá ao livro uma atmosfera de retorno a um mundo mais analógico, ainda que haja novas e diferentes tecnologias, que nos lembram que essa história se passa cerca de 20.000 anos depois de nossa época.

Publicado em 1965, Duna se apresenta diferente dos demais clássicos da ficção-científica que eu já tive oportunidade de ler, aproximando-se mais da fantasia, tanto pelos temas como por uma preocupação maior com aspectos literários, geralmente deixados um pouco de lado pelos visionários do futuro da humanidade. Apesar de ser um livro longo, cada capítulo parece ter sido minuciosamente pensado, cada personagem tem sua missão bem definida na história e cada passo deles nos deixa ansiosos pelo próximo. Frequentemente comparado com O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, por ter construído um universo bem definido, com povos, línguas, religiões etc., Duna ainda abarca questões ecológicas e sociais e oferece um alto nível de entretenimento, com muito espaço para ação, sem esquecer de desenvolver muito bem os personagens, para que nos importemos com eles. Aliás, os dramas familiares, as batalhas políticas e o uso de poderes mentais – em um mundo sem computadores os homens de destaque têm que ser geniais – não deixam qualquer possibilidade para personagens vazios.

O protagonista dessa saga é o jovem Paul Atreides, filho do duque Leto e de sua concubina Lady Jéssica, nobres do planeta Caladan que, a pedido do imperador padixá, vão se instalar no planeta Arrakis para tomar conta da produção e distribuição do mélange, uma espécie de droga/especiaria valiosa. Essa posição era ocupada anteriormente pelos Harkonnen, e essa tomada de poder vai causar uma guerra entre as duas famílias. De um lado os Harkonnen vão agir segundo os interesses do próprio imperador e de outro os Atreides querem ter o apoio do povo nativo, os fremen.

Por ser um planeta desértico, a água em Arrakis é extremamente escassa e os fremen sobrevivem reciclando a água do próprio corpo. Incrivelmente organizados, aos poucos vamos descobrindo o poder desse povo, seus segredos e sua importância para o futuro do planeta. O contato de Paul com a especiaria e com os fremen, associado ao seu treinamento marcial e poder presciente vão indicá-lo a uma posição de salvador, um suposto ser superior que vem sendo aguardado pela humanidade. Aliás, um dos temas de maior força do livro é essa volta do homem para ele mesmo e a natureza. Embora desejemos a facilidade que as máquinas proporcionam, o ser humano corre o risco de perder o contato com seus próprios recursos físicos e mentais e Paul acaba sendo um símbolo do que um homem pode se tornar com muito esforço e muitas variáveis a seu favor.

Apesar de ser o início de uma série, Duna é um livro que pode ser lido sem a preocupação com as continuações e que causou um grande impacto na literatura e no cinema de entretenimento, influenciando diversas obras posteriores. Quem conhece a saga cinematográfica de Star Wars vai encontrar diversas semelhanças, entre elas a paisagem desértica, a construção de um herói que tem uma origem perturbadora, os poderes mentais, um império ambicioso e inúmeros detalhes percebidos pelos fãs das duas séries. Outro exemplo são As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, que talvez tenha encontrado nos livros de Frank Herbert uma grande inspiração para suas intrigas políticas e religiosas, e até mesmo para um estilo narrativo que consegue dosar grandes momentos de ação com personagens bem construídos e diálogos afiados.

Tom Jones – Henry Fielding

21_tomjonesEncerrando um pequeno projeto de ler os principais romances ingleses setecentistas tratados por Ian Watt em seu livro A Ascensão do Romance, finalmente terminei a leitura de Tom Jones, de Henry Fielding, publicado em 1749: a história de um rapaz abandonado pela mãe quando bebê e criado por um bondoso fidalgo.

Jones é apaixonado pela bela e rica Sofia, mas devido a sua origem moralmente inaceitável, sofre por saber que não pode casar-se com ela, ainda que ela também o ame. Muito atraente às mulheres e agradável com todos, Jones desperta a inveja de Blifil, sobrinho do fidalgo Allworthy, que os cria como irmãos. E por uma série de artimanhas de Blifil, Jones acaba sendo expulso de casa e tendo que seguir seu caminho sozinho: em grande parte do livro temos então uma história de estrada, onde a cada paragem há uma aventura de Tom Jones com novos personagens.

Apesar de constituir uma espécie de herói perdido em busca de seu lugar na vida, de saber quem é seu pai e de encontrar uma maneira de ficar com Sofia, Jones traz muitas características de um malandro sedutor, envolvendo-se com outras mulheres e até se aproveitando de algumas situações com elas para sobreviver. Mas o seu lado proeminente é o de apaziguador, apagando incêndios, resolvendo desavenças, salvando mulheres de vilões, enfim, resolvendo questões alheias e deixando amizades por onde passa.

Considerado por alguns estudiosos como um dos primeiros romances, Tom Jones também pode ser visto como uma espécie de novela picaresca, em que vários episódios ocorrem com esse herói um tanto anti-herói, sem que haja grandes mudanças ou desenvolvimento dos personagens: o entretenimento, o humor satírico, a ação e seus propósitos moralizantes (não necessariamente moralistas) se sobressaem. O gênero do livro pode ser, portanto, difícil de definir, já que Fielding queria inaugurar novas regras de como contar uma história. Não à toa ele interrompe a narrativa o tempo inteiro para demarcar suas regras:

“Como sou, em realidade, o fundador de uma nova província do escrever, posso ditar-lhe livremente as leis que me aprouverem.”

Essa conversa constante com o leitor, não só para delimitar sua técnica, como para divagar acerca dos acontecimentos do livro, e também para discutir assuntos aleatórios, fazendo referências literárias e filosóficas adornadas com citações em latim, pode ser algo bem incômodo, especialmente em um calhamaço de mais de 800 páginas. Contudo, os capítulos são curtos, com títulos que antecipam o que vai acontecer, e o leitor é aquele a quem o autor dá sempre uma piscadela de olhos, um cúmplice a rir de vários personagens secundários, com suas conjecturas absurdas ou equivocadas. No geral é um clássico simples e divertido de ler, principalmente por conter muita ação e por abusar de ironia e sarcasmo com a sociedade de seu tempo.

Duas aventuras de H.R. Haggard

Quando criança, fantasia associada a aventura e descoberta de civilizações perdidas formavam para mim uma equação irresistível, coisa que deve ter começado através das caças ao tesouro protagonizadas pelo Tio Patinhas e os filmes da tarde com as sagas de Simbad ou Indiana Jones. Numa destas sessões assisti a uma das versões de Ela e fiquei muito intrigada com a história, especialmente o final. Recentemente lembrei do filme e descobri que é uma adaptação de um best-seller de H. Rider Haggard, o mesmo autor do famoso As Minas do Rei Salomão e que, com suas obras, iniciou o subgênero lost-world nos livros de fantasia.

Apesar de ser um dos livros mais vendidos de todos os tempos, dificilmente ouço falar de alguém que tenha lido Ela ou mesmo conheça sua história. O narrador é Holly, um professor de Cambridge que juntamente com seu filho adotivo Leo e seu criado Job seguem em uma perigosa aventura na África a fim de entender a herança histórica da família de Leo. Lá eles descobrem uma civilização escondida, comandada por Ayesha, uma belíssima mulher que vive há dois mil anos. Se por um lado a história é curiosa e influenciou inúmeros escritores mais tarde, como Rudyard Kipling e J.R.R. Tolkien, por outro é incômodo para o leitor de hoje perceber de maneira tão escancarada alguns valores racistas e machistas dos vitorianos. Apesar de Ayesha ser uma mulher com extremo poder – é absurdamente bonita e sábia e possui poderes sobrenaturais e grande capacidade de comando – sua soberania não é vista com bons olhos, mas como algo perigoso à humanidade, e infelizmente sua devoção romântica a Leo por vezes acaba ajudando a diminuir a força da personagem.

As Minas do Rei Salomão também conta uma aventura na África e é narrada pelo caçador Allan Quatermain, que possui um mapa para as incríveis e secretas minas do rei bíblico. Com a companhia de Sir Henry Curtis, o Capitão Good e o nativo Umbopa, os personagens farão uma longa jornada através de um deserto africano, cada um com seu motivo e missões pessoais. Os tipos de situação que eles enfrentam são semelhantes aos que vemos em filmes com o personagem Indiana Jones (que parece ter sua origem em Quatermain), com direito a batalhas contra um rei africano sanguinário, trapaças de uma feiticeira maligna e cavernas com mecanismos secretos. Assim como em Ela, Haggard traz um narrador um tanto contraditório, que se divide entre mostrar os africanos como bárbaros e ao mesmo tempo, em algumas situações, considerá-los como mais cavalheiros que certos europeus. É fácil encontrar sua edição traduzida por Eça de Queiroz.

A escrita de Haggard não oferece muitos atrativos, mas não há como negar que ele foi muito criativo em suas histórias, aproveitando sua experiência na África para pormenorizar suas descrições. Tendo influenciado tantos livros e filmes que vieram depois, estas obras não causam muito impacto nos dias atuais e são previsíveis e ultrapassadas – as situações repetitivas e os monólogos cansativos dos narradores também não ajudam. Ainda assim, guardarei a cena final de Ela com carinho nas minhas lembranças de infância.

On the Road (Pé na Estrada) – Jack Kerouac

Quando jovens, somos levados facilmente pela idolatria porque ainda não descobrimos quem somos ou não acreditamos em nossas próprias qualidades ou queremos uma realidade maior que a oferecida diante de nossos olhos. Geralmente precisamos de alguém que nos puxe pela mão para fazer as coisas que queremos fazer, e é um pouco o que acontece com Sal Paradise e Dean Moriarty, em On the Road. Com o propósito de descobrir o que é a vida, o que é a América, o que é Deus e o sentido de tudo, Sal precisa pegar a estrada e ser apóstolo de Dean, que serve de condutor não só como motorista mas também como “santo” idolatrado, que orienta a uma vida plena de liberdade no final dos anos 40.

“…e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo em constelações…”

A vida proposta por Dean é a vida do cada dia com sua preocupação; sem pensamentos sobre carreira profissional ou investimentos pro futuro, mas a mais pura e primitiva vida compromissada apenas com o agora e com os desejos imediatos, ainda que isso signifique muitas vezes babaquice ou criminalidade. A liberdade de ser e fazer o que quiser, uma espécie de egoísmo infantil que se preocupa apenas com o querer, independente do que isso possa significar para os outros. A liberdade do seguir em frente e não ficar parado, de descobrir o que há além e experimentar todos os prazeres possíveis.

“Inclinou-se sobre o volante e deu a partida; estava de volta a seu elemento natural, qualquer um podia perceber. Ficamos maravilhados, percebemos que estávamos deixando para trás toda a confusão e o absurdo, desempenhando a única função nobre de nossa época: mover-se.”

Se para Sal a aventura da estrada é uma peregrinação espiritual e despedida da última infância, naquela idade em que ainda podemos fazer loucuras sob a desculpa de nossa juventude, para Dean é a única forma de viver, atropelando as pessoas que o amam porque o mais importante é seguir em frente. Dean não tem nada a oferecer, senão o entusiasmo pela vida. Sua ideia de liberdade é romântica e atraente, mas é um fogo que aquece e queima os que se aproximam. Ainda assim, Sal insiste em vê-lo como salvador, no fundo porque ele quer ser Dean Moriarty, ser tudo o que não é; ele quer entender a vida sob outros olhos porque sua própria vida não lhe ofereceu o que era necessário:

“Num entardecer lilás caminhei com todos os músculos doloridos entre as luzes da 27 com a Welton no bairro negro de Denver, desejando ser um negro, sentindo que o melhor que o mundo branco tinha a me oferecer não era êxtase suficiente para mim, não era vida o suficiente, nem alegria, excitação, escuridão, música, não era noite o suficiente. (…) Mas era apenas eu, Sal Paradise, melancólico, errando nessa escuridão violeta, naquela noite insuportavelmente encantadora, desejando poder trocar meu mundo pelo dos alegres, autênticos e extasiantes negros da América.”

Quando li On the Road aos 18 anos o livro causou um grande impacto em mim: eu queria ter experiências semelhantes às de Sal, pelo menos no que diz respeito às viagens. Queria encontrar pessoas diferentes e interessantes, queria colecionar histórias, queria ver a estrada e as diferentes vegetações do meu país através das janelas laterais de um carro ou de um ônibus… 18 anos depois não dá mais para se identificar tanto com os personagens, mas penso que o que ficou de mais importante pra mim desta estrada percorrida por Sal e Dean é o eterno questionamento, é o ímpeto de tentar não fazer as coisas da mesma forma que todos já fazem ou fizeram, de não se deixar cair numa fôrma e se acomodar na tradição. Perguntar-se sempre se o que queremos fazer é realmente o que queremos ou apenas o que é esperado de nós, para só então tomar uma decisão, seja ela qual for, ainda que seja a mais segura.
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Adaptação: Na Estrada (On the Road, 2012) – Walter Salles

O filme de Walter Salles destaca Sal como escritor e a amizade dele com Dean, dando uma importância maior à Marylou e Camille, esposas de Dean. Infelizmente o episódio com Terry e Sal – uma das melhores partes do livro na minha opinião – não foi desenvolvido como deveria, mas algumas outras situações foram bem retratadas. Fiquei um pouco incomodada com a escolha de Sam Riley como Sal Paradise, que não me pareceu certo para o papel (ainda que bom ator), mas ainda assim é um filme bonito e com bons momentos.

A Máquina do Tempo – H. G. Wells


Alguns livros do final do século XIX me dão a impressão de que o espírito da época era semelhante ao dos nossos dias, algo como uma sensação de que o futuro já chegou. A Máquina do Tempo, novela escrita em 1895 por H. G. Wells, é um desses casos em que vemos temas bem motivados pelas revoluções tecnológicas, fato que acabou inaugurando a chamada ficção-científica na literatura.

Nessa história temos O Viajante do Tempo, um cientista que constrói uma máquina capaz de se deslocar pela Quarta Dimensão. Durante um jantar em sua casa em que ele chega depois dos convidados, machucado e sujo, afirma que acaba de chegar do futuro e começa a descrever sua incrível aventura de oito dias no ano de 802701. Nesse momento da história, o Viajante encontra um mundo em ruínas e duas espécies de seres que parecem ter vindo de nossa espécie: os Elois e os Morlocks. Os primeiros são pessoas infantilizadas e bobas, pequenas e sem pelos, que se alimentam de frutas e vivem como animais pacatos. Os segundos são agressivos, têm aparência asquerosa, vivem sob a terra e temem a luz. Logo no início sua máquina é roubada e, com a companhia de Weena, o único ser com quem interage num nível mais íntimo, ele vai tentar recuperá-la e voltar para seu próprio tempo.

A teoria do personagem ao se deparar com esses seres é de que, num primeiro momento, a humanidade teria chegado a tal ponto de harmonia entre aqueles que produzem (que deram origem aos Morlocks) e aqueles que usufruem (que deram origem aos Elois), que qualquer possibilidade de guerra teria se extinguido, e portanto o ser humano viveria sem adversidades. O problema é que, segundo ele, são as adversidades da vida que tornaram o homem um ser inteligente, logo, à medida que a civilização caminhasse para a paz e a segurança, os seres humanos iriam aos poucos se tornando mais dóceis e menos inteligentes.

“Não existe inteligência onde não existe mudança ou necessidade de mudança. Os únicos animais que demonstram inteligência são aqueles que tiveram de enfrentar uma grande variedade de necessidades e de perigos”.

Enquanto conta sua história, o Viajante vai simultaneamente expondo suas impressões sobre esse novo mundo, já que tudo lhe é estranho e não há ninguém para explicar como as coisas são. Sendo assim, a narrativa ora é descritiva ora é filosófica, mas de uma maneira muito fluida, até porque o livro é bem curto. Não há nenhuma tentativa de explicação científica do funcionamento da máquina, pois a intenção era apenas demonstrar, de maneira especulativa, as possibilidades do futuro, como se a verdadeira máquina do tempo fosse a imaginação do autor. No entanto, Wells se utiliza das teorias científicas de seu tempo como argumento para as especulações de seu personagem, e em especial da teoria de Tempo enquanto Quarta Dimensão do Espaço: se é possível se movimentar nas três dimensões, também seria possível se movimentar numa quarta.

Um momento que achei muito divertido no livro foi quando o Viajante lamenta não ter lembrado de levar sua Kodak! Fiquei imaginando o que ele nos dias de hoje lamentaria não ter levado, talvez exatamente uma câmera, mas pelo menos ele colocou no bolso algo mais importante: fósforos. Se numa viagem espacial aprendemos que uma toalha pode ser muito útil, numa viagem no tempo o bom mesmo é levar uma caixa de fósforos.

Adaptações:
A Máquina do Tempo (The Time Machine, 1960) – George Pal

Nesta versão clássica de 1960, o Viajante se chama George e sua motivação em querer ver o futuro é por não ser satisfeito com a época em que vive. Aqui, antes de chegar a 802701, ele assiste às duas Grandes Guerras e em cada uma tem oportunidade de encontrar o filho de seu melhor amigo David, na juventude e na velhice. Muita coisa me incomodou neste filme, mas a principal foi o fato dos Elois falarem o mesmo inglês de George! No livro o personagem aprende alguma coisa da língua deles, mas no geral só tem sua inteligência como recurso para entender esse novo mundo, ao passo que aqui Weena lhe serve de guia, explicando como tudo funciona.
O filme me pareceu mais antiquado que o livro, e nem falo dos efeitos especiais limitados porque alguns até deram conta do recado, mas por algumas escolhas estranhas, como fazer de Weena um par romântico de George ou fazer os Elois de uma hora para outra se revoltarem contra os Warlocks, deixando George quase como um messias que irá salvar a humanidade no futuro. Confesso que o que achei mais legal no filme foi o design da máquina do tempo (feito por William Ferrari). Eu adoraria ter uma réplica dela na minha sala, como os meninos do The Big Bang Theory.


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A Máquina do Tempo (The Time Machine, 2002) – Simon Wells

Sendo o diretor bisneto do H. G. Wells, dá pra ter uma esperança de que o filme seja bom, mas não é o que acontece. O Viajante nesta versão se chama Alexander e é um professor universitário, com um laboratório cheio de invenções inovadoras e uma namorada com quem pretendia casar, mas que acaba morrendo. O que o leva a desenvolver a máquina é exatamente poder voltar no tempo para salvá-la. Apesar de tentar fazer algo diferente e explorar primeiro uma volta ao passado, esse filme não passa de um remake inferior da versão de 1960, sem nenhum compromisso em ser fiel ao livro. Enquanto H. G. Wells mostra um cientista interessado em conhecimento e em pensar para onde a humanidade poderia evoluir, este filme leva seu personagem ao futuro por uma curiosidade nada científica, apenas por uma obsessão pessoal. Simon Wells parece ter se preocupado mais em criar inúmeras referências ao filme de George Pal do que em homenagear de maneira digna seu parente. E elas são inúmeras, desde a inspiração do design da máquina, passando por detalhes de cenas e até a ideia do Viajante revolucionar o futuro. Apesar de ter bons efeitos especiais, o filme demonstra que a imaginação não é hereditária.

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Livros relacionados:

A Trilogia dos Dólares – Sergio Leone

Quando criança eu adorava assistir a filmes western com meu pai de madrugada. Era acordar com um barulho de tiros ao longe e correr para a sala acompanhada do lençol. Claro que a minha lembrança é afetiva, não lembro exatamente quais filmes vi na época, mas ficou o gosto pelo gênero e de vez em quando procuro ver/rever alguns clássicos. O que mais me fascina nesse tipo de filme é o quanto eles são cinematográficos: eles contam uma história através de muita ação e de elementos simbólicos do bem e do mal, quase sem precisar de diálogos.

Minha mais recente escolha foram três clássicos do western spaghetti que compõem a chamada Trilogia dos Dólares. Trata-se de uma série de filmes de Sergio Leone, diretor italiano que inaugura um faroeste único, onde não há necessariamente mocinhos e bandidos. Eles têm em comum a figura de um certo pistoleiro solitário capaz de fazer quase tudo por uns trocados: um charmoso anti-herói vivido por Clint Eastwood. Claro que torcemos por ele não só pelo carisma e sua incrível habilidade com a arma (ele é especialista em matar pelo menos 3 ao mesmo tempo) mas também pelo seu senso de justiça, a despeito de ser um fora-da-lei no oeste americano. Há controvérsias se se trata do mesmo personagem em todos os filmes – já que nenhum deles têm realmente um nome – mas o poncho usado por ele dá uma boa pista.

No primeiro filme, Por um Punhado de Dólares, esse sujeito sem nome chega a um vilarejo tão decadente que o único negócio que ainda funciona é a funerária. A única maneira de ganhar dinheiro na cidade é com a morte, seja matando, seja enterrando. Dois grupos rivais tomam conta do lugar e é jogando lenha nessa fogueira que ele se aproveita da situação para conseguir tirar dinheiro deles. Geralmente consideram este o mais fraco da trilogia, talvez por ser uma cópia de Yojimbo, do Kurosawa, mas pra mim é um dos mais divertidos e talvez o mais coeso dos três.

Em Por uns doláres a mais, nosso amigo fica um pouco em segundo plano por conta da história de Mortimer, um amargurado caçador de recompensas que está tentando achar um bandido que vale 10 mil dólares. O personagem de Clint também está de olho no prêmio gordo e ora eles competem, ora se ajudam, mas o foco é na história pessoal de Mortimer e sua relação com o valioso vilão, que está planejando com sua quadrilha um assalto ao banco da cidade. O filme tem uma das melhores cenas da trilogia (a cena dos chapéus) e apesar de ter ótimos momentos talvez seja o que menos gostei.

Por fim, o grande clássico Três homens em conflito, também conhecido por “O Bom, o Mau e o Feio”. Aqui Clint faz o Bom, mais uma vez caçando recompensas, desta vez em sociedade com o bandido caçado. Cada vez que Tuco (o Feio) está prestes a ser enforcado é salvo pelo próprio e assim eles vão dividindo o dinheiro, num esquema que obviamente não dura muito tempo, já que o Bom não é tão bonzinho assim. A sociedade é refeita quando eles descobrem a localização de uma grande fortuna em ouro, que já está sendo procurada por Angel Eyes (o Mau). Para chegarem no local onde o ouro está enterrado precisam cruzar caminho com a Guerra Civil e com Angel Eyes e a cena final com os três é daquelas que não deixam dúvidas dos motivos pelos quais cinema vale a pena. A única coisa ruim do filme pra mim é o excesso de cenas focadas na guerra, pois retiram o foco da história e não acrescentam muito. O melhor, no entanto, é o personagem Tuco, extremamente engraçado e peculiar, especialmente em sua relação com Blondie (apelido que ele dá ao Bom). Editando algumas cenas, esse filme seria perfeito.

Se você puder abstrair a dublagem em inglês (a maioria do elenco atua em italiano) e tiver um gosto por boa direção e boas histórias, sugiro a trilogia mesmo para quem não costuma gostar de western. Mas não espere ver mocinhos e mocinhas: aqui temos apenas sujeitos gananciosos que estão tentando sobreviver num mundo em que o que resta é matar ou morrer.