Obrigado, Jeeves – P. G. Wodehouse

interlunio51-jeevesObrigado, Jeeves faz parte de uma série de histórias do inglês P. G. Wodehouse com os personagens Bertram Wooster e seu mordomo Jeeves. Apesar dessa não ser a primeira história da dupla – há algumas histórias anteriores publicadas em revistas – é o primeiro romance com eles e foi publicado em 1934. Aqui Wooster se envolve com o possível casamento de seu amigo Chuffy e sua ex-noiva Pauline, atuando como um cupido extremamente atrapalhado.

A história começa com um impasse: Wooster gosta de praticar banjolele em seu apartamento em Londres, mas a vizinhança não está nem um pouco contente com isso e, para a surpresa dele, nem o pobre Jeeves aguenta mais o barulho. O mordomo pede demissão e, para poder tocar em paz o instrumento, Wooster vai morar por uns tempos num chalé da propriedade de seu amigo Chuffy. Essa propriedade será o cenário de todas as situações que se seguem pois Jeeves irá trabalhar para Chuffy, Pauline estará com o pai em um iate na costa do lugar e seu inimigo Glossop estará envolvido na venda da mansão de Chuffy, que precisa desesperadamente de dinheiro para pedir Pauline em casamento.

Mesmo não sendo mais seu criado, Jeeves continua seu amigo e o salva das mais estranhas situações, pois o pai de Pauline pensa que ela ainda gosta de Wooster e acredita que os dois andam se encontrando escondido. Na verdade Pauline e Chuffy é que estão apaixonados, mas uma série de mal-entendidos vão separar o casal e sobra para Bertie e Jeeves resolver o problema de todo mundo.

Trata-se, portanto, de uma típica comédia de costumes, cheia de mal-entendidos, amores impossíveis e disputas por dinheiro. É um retrato da decadência da aristocracia britânica, repleto de situações cômicas, inclusive situações físicas, que mostram que a dignidade cabe apenas ao bondoso e brilhante mordomo Jeeves, que está sempre resolvendo os problemas de seus senhores, esbanjando sabedoria e cultura.

O que é mais impressionante no livro – apesar de possuir uma história um tanto previsível – é como o autor, especialmente ao se aproximar do final, consegue costurar tudo e ligar todos os pontos da história, de forma que todos os elementos apresentados, personagens e situações, tenham um grande valor e sejam muito bem aproveitados. O leitor até sabe o que vai acontecer, mas o como acontece rende boas risadas.

Alta Fidelidade – Nick Hornby

Sempre tive uma relação do tipo nunca-te-li-sempre-te-amei com os livros de Nick Hornby, e depois de ler Alta Fidelidade posso dizer que era bem o que eu esperava. O romance conta a história de Rob, um londrino de 35 anos, dono de uma loja de discos, que descreve sua complicada relação com as mulheres e com a música. Para se identificar com Rob você tem que ter pelo menos uma dessas 5 características:
a) ter nascido entre os anos 60 e 80;
b) conhecer um pouco de cultura pop britânica e americana;
c) gostar de música e ter possuído (ou possuir) discos de vinil;
d) ter chegado aos 30 e não ter uma vida adulta padrão;
e) ter passado por rejeições amorosas durante a vida.

Através de listas parecidas com essa, Rob vai enumerando tudo aquilo que é importante pra ele: músicas, filmes, livros e até relacionamentos que deram errado. São as rejeições, inclusive, que conduzem a narrativa, começando pelos 5 mais inesquecíveis fins de relacionamento por que já passou, numa escala que vai da namoradinha de infância ao grande amor vivido nos tempos de faculdade. Segundo ele, essas situações moldaram suas escolhas de vida e depois que Laura, sua atual namorada, resolve deixá-lo, ele vai então entrar em contato com cada uma dessas mulheres, para tentar entender o que deu errado.

A escrita de Hornby é simples e elegante, e sempre soa como as letras de canções pop às quais faz referência, algo como música em forma de literatura (foi bom, aliás, ler no original porque tenho a impressão de que é o tipo de escrita que soa muito diferente em português). As listas Top Five que Rob e os funcionários de sua loja fazem o tempo todo são parte da diversão do livro e apesar de Rob ser um cara depressivo e cheio de auto-piedade, não tem como ler sem um sorriso no rosto, tamanho é o humor (britânico) com que ele trata suas teorias sobre relacionamentos, música e arte em geral. Há um momento, por exemplo, em que ele se pergunta se a arte não acabaria nos tornando pessoas com tendência à solidão ou à melancolia:

“O que veio primeiro – a música ou o sofrimento? Eu escutava música porque estava triste? Ou estava triste porque escutava música? Será que todos esses discos te tornam uma pessoa melancólica?”

Depois dos 30 é inevitável se tornar um pouco saudosista e o ambiente das lojas de discos, que eu tanto freqüentei nos anos 90, bem como as discussões musicais sobre bandas preferidas ou conviver com quem é colecionador de música ou o maravilhoso ritual de gravar coletâneas em fitas cassetes para os amigos, tudo contribuiu para que eu me sentisse em casa durante a leitura. Mas o livro não fica só nessa posição de retrato de uma geração ou mesmo de uma confidência masculina em relação ao sexo, ele também brinca com as infantilidades da vida adulta que raramente admitimos, mas que fazem todo sentido, especialmente quando passamos por uma fase ruim e tudo nos leva a agir como na adolescência, esse limbo onde tudo parece ser mil vezes pior do que realmente é.

Adaptação: Alta Fidelidade (High Fidelity, 2000) – Stephen Frears
Um ponto baixo da versão cinematográfica é a troca de Londres por Chicago, o que significa perder muito do personagem e de seu humor, transformando Rob num cara menos irônico, menos loser e até com iniciativa profissional, talvez para que um público maior se identifique com ele. Uma das minhas questões preferidas no livro é a de ele ser um adulto inadequado, que não consegue resolver sua vida pelos padrões esperados e aqui sua inadequação é um mero desconforto. Mas gosto muito das cenas da loja de discos e é sempre bom ver personagens conversando sobre música envoltos numa ótima trilha sonora.

Kontroll (2003) – Nimród Antal

Numa estação de metrô em Budapeste muitas pessoas estão sendo encontradas mortas nos trilhos. Uma figura sombria parece ser responsável pelas mortes, mas os administradores da estação imaginam que são apenas suicídios. As equipes responsáveis pelo controle de bilhetes são acionadas para ficarem atentas no caso de alguém parecer suicida. Bulcsú e mais 4 colegas formam uma das equipes e agora, além de tentar impedir que as pessoas viajem sem pagar, têm que observar qualquer coisa suspeita.

Esse filme consegue misturar muito bem comédia, drama, ação, suspense e até romance. Cada personagem é algo à parte, até mesmo os inúmeros passageiros com quem eles lidam sempre trazem alguma situação engraçada ou inusitada. Sem falar da própria equipe de Bulcsú, cada um mais peculiar que o outro. Ele mesmo tem suas particularidades e, apesar de parecer o mais normal de todos, parece ter algum problema com seu passado, já que nunca sai da estação, nem mesmo pra dormir.

Cada cena tem a fotografia bem cuidada, a estética do subterrâneo serve ao filme em vários níveis e as atuações são ótimas. Não posso esquecer de mencionar a trilha sonora, que é muito boa! Uma ótima opção para desintoxicar um pouco da mesmice do cinema americano.

Trailer:

La science des rêves (2006) – Michel Gondry

The Science of Sleep é um filme de Michel Gondry, o mesmo diretor de Eternal Sunshine of the Spotless Mind, com a diferença que aqui ele também é responsável pelo roteiro. Um filme sobre sonhos com bastante devaneios tem tudo pra me agradar e as atuações do Gael García Bernal e da Charlotte Gainsbourg estão ótimas. Inclusive esse filme me lembrou muito Anna Oz, também sobre sonhos e também com a atriz, e que é um dos meus filmes favoritos.
Stéphane é um designer/artista que vive entre a realidade e seus sonhos feitos de papelão, e boa parte do tempo não sabe quando está em um ou em outro. Ele conhece Stéphanie, que acaba de se mudar para o apartamento ao lado, e apesar de ela entrar nos seus jogos de fantasias, tem dificuldade de se relacionar com essa pessoa tão cheia de camadas. O mais legal do filme são as brincadeiras dos dois, o faz-de-conta que eles montam como se fossem duas crianças. Fora isso não gostei muito das cenas que acontecem na empresa em que ele trabalha, achei bem forçadas, apesar dos personagens serem divertidos. Mas no geral o filme é engraçado, doce, bonito.