Os passos perdidos – Alejo Carpentier

Os passos perdidos é uma história de fuga do cotidiano, das atividades repetidas sem sentido, de uma busca por movimentos que falem diretamente com aquilo que o ser humano é em sua essência. No entanto, não é essa a motivação de seu narrador num primeiro momento, esse musicólogo que recebe uma missão de ir à América Latina encontrar instrumentos musicais de tribos indígenas primitivas. Seu compromisso é chegar na selva tropical do que parece ser a Venezuela e trazer estas peças para um museu organológico, bem como comprovar sua teoria de que a música nasce da tentativa do homem de imitar o som dos animais.

Esse homem se encontra numa situação de fastio da vida cotidiana. Seu relacionamento com a esposa Ruth é distante, vê sua amante Mouche sempre com ironia e, embora seja bem sucedido, duvida de seu trabalho. Ao receber sua missão tampouco se anima e deixa se levar por Mouche, que vê na ocasião uma maneira de aproveitar férias em algum lugar exótico.

O narrador inicia então uma jornada lenta, cheia de reflexões a cada parada. As inúmeras referências a obras de arte, seja da música, da literatura ou das artes plásticas, que o ajudam a dar significado ao que vai vendo, vão dando lugar às experiências novas e vivas. Aos poucos ele vai entrando em contato com lembranças de infância, o idioma de sua mãe reaviva suas memórias e as situações vão lhe conduzindo a um embate interno, onde toda a sua vida é questionada.

Ele compara sua viagem à Odisseia, e como Ulisses, esbarra com personagens que conduzem sua jornada a algo extraordinário. Em cada ponto aparentemente vai se tornando outro homem e a maior responsável por sua vida nova é Rosario (que poderia ser comparada à figura de Nausicaa, na Odisseia), uma mulher que contém todos os povos, que representa a América Latina e por quem o musicólogo se apaixona.

Como todo livro de jornada, os episódios dividem a narrativa. Quando os insetos tomam conta das encanações de um hotel, por exemplo, vemos como Carpentier recorre ao insólito, beirando o fantástico. Mais pra frente, em contato direto com a floresta, o narrador vive situações assombrosas e se depara com um mundo em que o mimetismo da natureza deixa dúvidas sobre o que é real. Mouche inclusive comenta que estar naqueles locais era viver o maravilhoso, em vez de vê-lo nas obras de arte.

Desde o início do livro o narrador vai indicando o que está por vir: uma viagem não só pelo espaço, mas pelo tempo. A volta de um homem civilizado à natureza primitiva:

“Quando saíssemos da bruma opalescente que a aurora esverdeava, teria início, para mim, um tipo de Descobrimento.”

Ele volta não apenas à sua infância, mas à infância da História mesma e ali percebe uma outra forma de vida, que elimina o sentido de sua vida anterior.

“Vemo-nos como intrusos, prestes a serem expulsos de um domínio proibido. O que se abre diante de nossos olhos é o mundo anterior ao homem.”

Viver uma nova vida significa ser uma nova pessoa? Sua teoria de como nasce a música é confirmada? Como Ulisses, ele voltará para Penélope? Seu destino resume a condição de alguém que não encontra seu lugar no mundo, mas que está disposto a lutar por ele.

“Compreendi que a obra máxima proposta pelo ser humano é a de forjar um destino para si mesmo. Porque aqui, na multidão que me rodeia e corre, ao mesmo tempo desaforada e submetida, vejo muitos rostos e poucos destinos. E acontece que, por trás desses rostos, qualquer desejo profundo, qualquer rebeldia, qualquer impulso, é sempre impedido pelo medo.”

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