Solanin – Inio Asano

interlunio57-solaninMeiko e Taneda são um jovem casal de namorados vivendo juntos na cidade de Tóquio. Eles terminaram a faculdade e trabalham, mas não estão satisfeitos com o rumo que suas vidas tomaram. Meiko decide pedir demissão e como ela praticamente sustenta a casa, Taneda fica um pouco desesperado. É que ela acha que a vida pode ser mais do que assumir o chamado cotidiano de pessoas adultas. “Será que eu não deveria estar fazendo outra coisa?” Eis a pergunta tão comum às pessoas de 20 e poucos anos.

A decisão de Meiko vai transformar mais a vida das pessoas que a rodeiam que a dela mesma, pelo menos em um primeiro momento. Seus amigos também vão se questionar e Taneda é o mais atingido. Agora ele pensa que deve levar a sua banda de rock de final de semana mais a sério. E então tudo começa, dá-se a largada pela busca dos sonhos. O problema é que após alguns dias a realidade cai na cabeça de todos e Meiko percebe que não vai poder viver a vida inteira com o que ela tem na poupança. E quando parece que tudo vai ficar bem, que a solução vai aparecer de alguma forma, uma tragédia acontece e todos na turma ficam sem chão.

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Solanin é o nome de uma canção escrita por Taneda e é a partir dessa música que Meiko vai tentar encontrar seu caminho para uma nova vida, uma vida com a tão esperada liberdade. É um mangá com uma bela história, especialmente para aqueles que não encontraram seu talento no mundo. Solanin é para aqueles que valorizam a amizade, a lealdade, e para aqueles que sabem que estar perdido no mundo é menos duro quando há companhia.

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Norwegian Wood – Haruki Murakami

10_woodTodo mundo fala que é mais difícil falar sobre um livro de que gostamos muito, talvez porque isso revele muito de nossa intimidade, ou acabe mostrando muito de quem somos. Norwegian Wood é o primeiro livro do ano que amei. Não esperava muito mais que um bom livro, mas acabei me surpreendendo. No entanto, é daqueles livros que dependem muito de identificação com os personagens ou situações, o que acaba rendendo uma leitura chata para alguns e maravilhosa para outros.

Uma das coisas mais legais do livro é a sensação de que todos temos trilha sonora para certos momentos da vida, ou melhor, como certas canções servem de transporte para um momento ou trazem de volta a presença de alguém que está longe no tempo ou no espaço. No caso deste livro de Murakami, tudo começa quando Toru Watanabe, de 37 anos, está num avião e começa a tocar Norwegian Wood, dos Beatles. Imediatamente ele se sente mal porque a música lhe traz de volta não só o seu passado triste, mas a sensação de um futuro incerto:

“Refleti sobre as muitas coisas perdidas no curso da minha vida até aquele momento. O tempo perdido, pessoas mortas ou desaparecidas, emoções que eu nunca mais experimentaria.”

A partir daí acompanhamos suas lembranças de juventude no final dos anos 60, essencialmente a história das amizades que fez e que marcaram sua vida em sua época de estudante. Toru é quase sempre o terceiro elemento em seus relacionamentos, um rapaz simples que gosta de ser amigo de pessoas complexas e lhes serve deixando-as confortáveis por serem diferentes:

“– Por que você só gosta desse tipo de pessoa? – perguntou Naoko. – Todos pessoas esquisitas, desvirtuadas, que afundam aos poucos por não saberem nadar bem. Eu, Kizuki, Reiko. Somos todos assim. Por que não consegue gostar de pessoas mais normais?
– Provavelmente porque eu não os vejo assim – respondi depois de refletir por um instante. – Não acho de jeito algum que você, Kizuki e Reiko sejam esquisitos. Aqueles que eu considero esquisitos estão todos andando lá fora numa boa.”

Para mim, Norwegian Wood é mais uma história de amizade que de amor e perda ou entrada no mundo adulto. Uma maneira de lembrarmos como certas pessoas que fazem parte da nossa vida em algum momento podem deixar marcas eternas. Mas também é uma obra cheia de referências gostosas, literárias e musicais – quem é fã dos Beatles pode encontrar várias, algumas bem sutis, outras bem evidentes –, com uma escrita leve, temática profunda e personagens memoráveis.

A adaptação para o cinema é bela e delicada, mas incrivelmente mais triste e sombria que o livro e, talvez por questões de direitos autorais, não se utilizou muito das músicas que ajudam a contar a história.

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As Irmãs Makioka – Jun’ichiro Tanizaki [Fórum Entre Pontos e Vírgulas Jan/2013]

01_makiokaOs momentos intermediários sempre me intrigam por terem essa característica de abrigar o passado e preparar para o novo, deixando as coisas meio indefinidas. É um momento assim que Tanizaki retrata naquela que é considerada sua obra mais importante: As Irmãs Makioka. O livro revela um detalhado cotidiano de uma família japonesa no final dos anos 30, dividida entre a sobrevivência de valores tradicionais e a inevitável influência do Ocidente. Em um relato constituído por diversos episódios por que a família passa, bem como por cartas e poemas, vamos assistindo às pequenas histórias vividas por Sachiko e suas irmãs Tsuruko, Yukiko e Taeko.

Sachiko é a segunda irmã e vive um casamento feliz com Teinosuke em Ashiya, numa região do Japão mais tradicional. Moram com eles as irmãs mais jovens e solteiras, Yukiko e Taeko, quebrando uma obrigação social de morarem com a irmã mais velha, Tsuruko, mais rígida e com um marido intransigente. Esta, inclusive, não tem muita participação no livro e praticamente toma o lugar de uma figura materna, distante das demais irmãs.

As situações que vivem são geralmente comuns: refeições em casa, encontros sociais, idas ao teatro, algumas viagens. As regras sociais são, muitas vezes, mais importantes que o conforto, a saúde ou a felicidade das pessoas pois existe uma grande preocupação com o que a sociedade vai pensar e comentar, mesmo que a família Makioka já carregue o signo de decadente. As conversas estão quase sempre relacionadas ao destino de Yukiko e Taeko, uma porque não consegue arranjar um marido adequado, a outra por sua rebeldia e tendências feministas.

Yukiko é retraída e calada, com uma personalidade feminina e submissa, sempre seguindo os caminhos impostos pela família. É uma figura marcada – inclusive literalmente por uma mancha no rosto – pois apesar de sua beleza, seus talentos e seu nome, a má sorte a acompanha no que diz respeito a arranjar um marido adequado. Com sua idade já avançando e uma irmã com má reputação na sociedade, seus pretendentes não são as melhores escolhas. Já Taeko é moderna, trabalha, usa apenas roupas ocidentais e tem vida amorosa ativa, esperando apenas que Yukiko case para que também possa casar, ainda que seu interesse maior seja ter uma carreira e seu próprio dinheiro.

As duas irmãs simbolizam no livro duas facetas do país: o Japão das tradições e cultura antiga e o dos valores modernos e ocidentais. O nome de Yukiko tem, inclusive, relação com o título original do livro, Sasameyuki, que significa “neve fina”, a última neve a cair no inverno, dando à personagem o caráter de manifestar os últimos sopros do Japão antigo decadente.

O livro inteiro tem esse clima de decadência e uma certa melancolia das despedidas. Assistir à queda das flores de cerejeira, por exemplo, é um ritual das irmãs que gera felicidade e angústia diante das mudanças inevitáveis da vida, como mostra esse poema escrito por Sachiko:

(Vendo a chuva de pétalas en Heianjingu)
Quisera guardar
Numa dobra do quimono
As flores caídas
Em relutante adeus
À primavera perdida.

Apesar de Yukiko e Taeko constituírem esse grande embate do livro entre antigo e moderno, valores orientais e ocidentais, Sachiko é quem domina a perspectiva da narrativa: só consegui identificar um momento em que temos acesso ao pensamento de outra personagem, no caso Yukiko. No geral é o olhar de Sachiko que acompanhamos e ela acabou sendo a minha preferida das irmãs, mesmo quando eu não concordava com algumas de suas atitudes.

É um livro contemplativo, para quem aprecia momentos singelos entre família e amigos ou situações corriqueiras em geral, na procura do que é especial nas coisas simples. Com apenas dois ou três episódios com mais ação, o livro também dispensa uma reflexão sobre as guerras nas quais o Japão estava envolvido, que parecem não afetar muito as personagens, o que foi decisivo para que ele fosse censurado na época de publicação.

Sobre a adaptação cinematográfica (com spoilers):
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A minha curiosidade com o filme de 1983 foi basicamente para conferir a produção, o figurino e as paisagens japonesas. É uma adaptação interessante, que encontrou soluções boas para resumir um livro tão extenso e até atribuiu uma importância significativa à personagem Tsuruko, ainda que aqui ela seja uma personagem completamente diferente do livro. No entanto, foi justamente essa descaracterização de algumas personagens que não me agradou. Yukiko se apresenta como uma jovem sensual e dissimulada, e Teinosuke, que no livro forma um lindo casal com Sachiko e vê suas irmãs meramente como filhas, revela-se aqui apaixonado por Yukiko, escolha que acaba substituindo os problemas familiares por uma intriga amorosa e leva a história, portanto, para outro caminho.