Os momentos intermediários sempre me intrigam por terem essa característica de abrigar o passado e preparar para o novo, deixando as coisas meio indefinidas. É um momento assim que Tanizaki retrata naquela que é considerada sua obra mais importante: As Irmãs Makioka. O livro revela um detalhado cotidiano de uma família japonesa no final dos anos 30, dividida entre a sobrevivência de valores tradicionais e a inevitável influência do Ocidente. Em um relato constituído por diversos episódios por que a família passa, bem como por cartas e poemas, vamos assistindo às pequenas histórias vividas por Sachiko e suas irmãs Tsuruko, Yukiko e Taeko.
Sachiko é a segunda irmã e vive um casamento feliz com Teinosuke em Ashiya, numa região do Japão mais tradicional. Moram com eles as irmãs mais jovens e solteiras, Yukiko e Taeko, quebrando uma obrigação social de morarem com a irmã mais velha, Tsuruko, mais rígida e com um marido intransigente. Esta, inclusive, não tem muita participação no livro e praticamente toma o lugar de uma figura materna, distante das demais irmãs.
As situações que vivem são geralmente comuns: refeições em casa, encontros sociais, idas ao teatro, algumas viagens. As regras sociais são, muitas vezes, mais importantes que o conforto, a saúde ou a felicidade das pessoas pois existe uma grande preocupação com o que a sociedade vai pensar e comentar, mesmo que a família Makioka já carregue o signo de decadente. As conversas estão quase sempre relacionadas ao destino de Yukiko e Taeko, uma porque não consegue arranjar um marido adequado, a outra por sua rebeldia e tendências feministas.
Yukiko é retraída e calada, com uma personalidade feminina e submissa, sempre seguindo os caminhos impostos pela família. É uma figura marcada – inclusive literalmente por uma mancha no rosto – pois apesar de sua beleza, seus talentos e seu nome, a má sorte a acompanha no que diz respeito a arranjar um marido adequado. Com sua idade já avançando e uma irmã com má reputação na sociedade, seus pretendentes não são as melhores escolhas. Já Taeko é moderna, trabalha, usa apenas roupas ocidentais e tem vida amorosa ativa, esperando apenas que Yukiko case para que também possa casar, ainda que seu interesse maior seja ter uma carreira e seu próprio dinheiro.
As duas irmãs simbolizam no livro duas facetas do país: o Japão das tradições e cultura antiga e o dos valores modernos e ocidentais. O nome de Yukiko tem, inclusive, relação com o título original do livro, Sasameyuki, que significa “neve fina”, a última neve a cair no inverno, dando à personagem o caráter de manifestar os últimos sopros do Japão antigo decadente.
O livro inteiro tem esse clima de decadência e uma certa melancolia das despedidas. Assistir à queda das flores de cerejeira, por exemplo, é um ritual das irmãs que gera felicidade e angústia diante das mudanças inevitáveis da vida, como mostra esse poema escrito por Sachiko:
(Vendo a chuva de pétalas en Heianjingu)
Quisera guardar
Numa dobra do quimono
As flores caídas
Em relutante adeus
À primavera perdida.
Apesar de Yukiko e Taeko constituírem esse grande embate do livro entre antigo e moderno, valores orientais e ocidentais, Sachiko é quem domina a perspectiva da narrativa: só consegui identificar um momento em que temos acesso ao pensamento de outra personagem, no caso Yukiko. No geral é o olhar de Sachiko que acompanhamos e ela acabou sendo a minha preferida das irmãs, mesmo quando eu não concordava com algumas de suas atitudes.
É um livro contemplativo, para quem aprecia momentos singelos entre família e amigos ou situações corriqueiras em geral, na procura do que é especial nas coisas simples. Com apenas dois ou três episódios com mais ação, o livro também dispensa uma reflexão sobre as guerras nas quais o Japão estava envolvido, que parecem não afetar muito as personagens, o que foi decisivo para que ele fosse censurado na época de publicação.
Sobre a adaptação cinematográfica (com spoilers):
A minha curiosidade com o filme de 1983 foi basicamente para conferir a produção, o figurino e as paisagens japonesas. É uma adaptação interessante, que encontrou soluções boas para resumir um livro tão extenso e até atribuiu uma importância significativa à personagem Tsuruko, ainda que aqui ela seja uma personagem completamente diferente do livro. No entanto, foi justamente essa descaracterização de algumas personagens que não me agradou. Yukiko se apresenta como uma jovem sensual e dissimulada, e Teinosuke, que no livro forma um lindo casal com Sachiko e vê suas irmãs meramente como filhas, revela-se aqui apaixonado por Yukiko, escolha que acaba substituindo os problemas familiares por uma intriga amorosa e leva a história, portanto, para outro caminho.