Afogado – Junot Díaz

interlunio06-afogadoLivro de estréia do escritor dominicano Junot Díaz, Afogado é uma coleção de contos interligados pela temática da imigração de dominicanos para o Estados Unidos. A maioria dos contos é narrada pelo personagem Yunior e acompanha a história de vida de sua família, desde momentos de sua infância pobre na República Dominicana, quando foram abandonados pelo pai, até quando já vivem nos Estados Unidos, numa situação mais razoável. Alguns contos não deixam claro se foram ou não narrados pelo mesmo personagem (na minha interpretação não foram) mas de qualquer forma estes também referem-se a rapazes dominicanos em situações muito semelhantes a de Yunior, meninos sem pai, criados por uma mãe que trabalha muito e envolvidos com um universo marginalizado e violento.

Os contos em que a história se passa na República Dominicana têm um tom de nostalgia e desencanto. Um dos contos mais bonitos, “Aguantando”, narra um primeiro momento na infância de Yunior, morando com a mãe, o avô e o irmão Rafa. A ausência do pai, que foi para os EUA e não voltou para buscá-los, é praticamente uma presença, um fantasma para a família. Em “Ysrael” os dois irmãos estão passando um verão na casa dos tios, no campo, e se deparam com um menino que perdeu parte do rosto e tem que usar máscara. Esse personagem volta em “Sem cara”, onde ele está esperando ser enviado para uma operação no Canadá.

Em “Negócios” temos a visão do que aconteceu com o pai depois que foi embora: como foi sua chegada aos Estados Unidos, como conseguiu a cidadania e todo o rol de empregos por que passou até chegar a pensar em buscar sua família. No conto “Fiesta, 1980” já vemos a família reunida e eles fazem uma pequena viagem em sua kombi para a casa de parentes, onde haverá uma festa.

Sem dúvida a vida destes personagens gira em torno da figura do pai de Yunior, e este demonstra um grande esforço em tentar entender e perdoar o abandono e a indiferença que sofre:

“Já que não conseguia me lembrar de nenhum momento com ele, eu o perdoava por todos os nove anos da minha vida. Nos dias em que eu tinha de imaginá-lo – raramente, pois a Mami já não falava tanto – ele era o soldado da foto. Ele era uma nuvem de fumaça de cigarro, cujos traços ainda estavam nos uniformes que tinha deixado pra trás. Ele era pedaços dos pais dos meus amigos, dos jogadores de dominó na esquina, pedaços da Mami e do Abuelo. Eu absolutamente não o conhecia. Não sabia que ele tinha nos abandonado.”

Dois contos narram o cotidiano de jovens traficantes de maconha – que podem ou não ser Yunior, podem ou não ser a mesma pessoa, não fica claro. “Aurora” mostra seu relacionamento com uma garota viciada em drogas e o tipo de vida amorosa possível entre eles e em “Afogado” um jovem vive com a mãe e relata um fato que acontece com ele e seu melhor amigo que os fazem se distanciar. Agora seu amigo está indo para a Universidade enquanto ele sabe que seu futuro será bem diferente.

Os demais contos são essencialmente crônicas de encontros amorosos. Tanto “Como sair com uma garota mulata, crioula, branca ou mestiça”, que cataloga os tipos de menina com quem o narrador sai, quanto “Namorado”, que é sobre um cara observando os movimentos de sua vizinha de cima, as histórias não vão muito além disso, mas “Edison, New Jersey”, que traz um personagem entregador/montador de mesas de sinuca de luxo, já se aprofunda mais na cultura dos dominicanos que moram nos Estados Unidos, no que eles mantêm e no que eles descartaram dela depois de anos como imigrantes. Quando o personagem passa dirigindo por Washington Heights, bairro de Nova York em que a maioria dos habitantes são dominicanos, ele percebe de maneira específica o que resta desta cultura.

Logo na epígrafe do livro o autor, que é radicado nos Estados Unidos, pede desculpas por contar essas histórias em inglês pois isso “já deturpa o que eu queria lhe dizer”. Aquele velho sentimento de já não pertencer mais ao país de origem, tampouco se sentir que pertence ao lugar onde mora fica bem evidente desde o princípio. Mas a força do livro reside sobretudo na construção dos personagens, no quanto o leitor acredita que eles existem e que são inúmeros.

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Essa leitura faz parte do Projeto Para ler como um escritor.

4 comentários sobre “Afogado – Junot Díaz

  1. Oi, Lua!
    Eu ADOREI A fantástica vida breve de Oscar Wao. Você leu? O Yunior é narrador dele também. Eu gosto muito de livros que tratam desse limbo no qual vive o imigrante (e seus filhos nascidos ja no país de destino). O Junot Diaz foi simplesmente genial porque até essa linguagem pela qual ele se desculpa é também um híbrido entre inglês e espanhol.
    Acho que foi você quem disse em algum comentario em algum lugar da internet que tinha se lembrado da Denise lendo o Diaz. Também imaginei que ela gostaria! Pra mim Oscar Wao é uma síntese de America Latina (ó a dramática! hahaa!).
    Beijos!!!

    1. Oi, Olivia!!!
      Estou louca pra ler A fantástica vida breve de Oscar Wao, não sabia que o narrador era o Yunior, eu amei esse personagem. Eu achava que ele voltava só no terceiro livro do Díaz. Eu também adoro livros de limbo, Olivia, sejam de que tipo for e essa coisa da imigração também acho fascinante e assustadora, especialmente para as crianças, que ficam meio sem referenciais do que são e do que foram. Ah, o Díaz tem tudo a ver com a Denise mesmo, rs. Beijão, querida!!

  2. Só escuto elogios ao Junot. Se não me engano ele concorreu no fórum recentemente, não foi?
    Me deu vontade de ler tanto Afogado quanto o livro que a Olivia mencionou aqui nos comentários. Eu não sabia que os personagens se repetiam, mas achei essa ideia genial.
    Beijo, Lua!

    1. Isso, Eduarda! Ele concorreu com outro livro mas eu já tinha esse aqui e foi ótimo ter começado por ele. Ler um autor que tem poucos livros é mais fácil, né? Beijinho!

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