28 contos de John Cheever [Projeto Para ler como um escritor #6]

40_cheeverEsta é uma seleção de Mario Sergio Conti de uma coletânea clássica de contos do autor norte-americano John Cheever: The Stories of John Cheever. Apesar de conter apenas 28 contos, podemos ter uma boa visão de que tipos de história Cheever contava e que tipos de pessoa retratava do período do pós-guerra.

São sobretudo dramas familiares, pequenas tragédias que desequilibram a família comum, seja através de um elemento externo, seja através dos desafios internos do grupo. São histórias banais, que podem acontecer com qualquer pessoa, e como retrata os Estados Unidos em crise, com seus cidadãos desiludidos com o sonho americano, pode suscitar um certo vínculo com alguns leitores brasileiros de hoje, ainda que muitos valores retratados estejam obviamente em decadência.

Exemplo disso são os contos que trazem personagens ingênuos, cheios de sonhos, que buscam vencer na vida através do trabalho, mas que acabam sendo engolidos pela grande cidade de Nova York, como é o caso das famílias em “Ó cidade dos sonhos falidos” e “O pote de ouro”. Outras histórias mostram como as pessoas agem em relação ao dinheiro, o que são capazes de fazer em épocas de crise diante de outros que não têm com o que se preocupar. “O Natal é uma época triste para os pobres” e “Só mais uma vez” apresentam visões bem diferentes sobre o assunto.

Temos também as histórias de subúrbio, que parecem constituir o cenário da maioria dos contos: casais com filhos pequenos, apresentados com doçura, como se tudo fosse perfeito, mas que encontram um conflito que põe em xeque o aparente paraíso. Curioso perceber que o nome de alguns subúrbios e de algumas famílias se repetem, nos dando a impressão de que os personagens de vários contos moram todos na mesma vizinhança. Dentre estes merecem destaque “Os males do gim”, “O invasor de Shady Hill”, “O caminhão de mudanças vermelho” e “O general de brigada e a viúva do golfe”. Mas é sobretudo em “O nadador” que Cheever dá um passo maior e cria uma grande história, extremamente simbólica, uma curtíssima epopéia de um homem que quer voltar para casa. É também um dos contos mais bem escritos, em que as descrições são prazerosas, daquelas que podemos sentir os cheiros, percebemos a luz e as cores do ambiente e também o que os personagens experimentam e sentem.

“De repente, começou a escurecer: era aquele instante em que os passarinhos organizam seus cantos num reconhecimento agudo e facilmente compreensível de que a tempestade está para chegar. Ouviu então o som delicioso de água caindo da fronde de um carvalho às suas costas, como se uma torneira houvesse sido aberta. E, logo depois, das copas de todas as altas árvores veio aquele ruído de fontes jorrando. Por que ele gostava tanto das tempestades, qual o significado de sua excitação quando a porta era aberta por uma lufada e o vento de chuva subia com violência pelas escadas, por que a simples tarefa de fechar as janelas de uma velha casa lhe pareceu correta e urgente, por que as primeiras notas molhadas de uma ventania soavam para ele, de forma inconfundível, como o prenúncio de notícias boas e alegres?”

A repetição de cenário e de tema, no entanto, pode cansar um pouco a leitura, mas alguns contos trazem elementos diferentes, que talvez marquem a tentativa do autor em experimentar coisas novas. “O enorme rádio” traz um elemento do fantástico, “A cura” tem uma atmosfera de suspense, “O Natal é uma época triste para os pobres” tem uma estrutura de conto de fada, com as repetições de discurso da personagem principal e o desfecho da história inusitado e “O mundo das maçãs” é um bonito conto sobre o final da vida e sobre a importância da arte. Já em contos como “Miscelânea de personagens que ficarão de fora” ou “Três histórias” ou “As joias da sra. Cabot” as experiências não me pareceram bem sucedidas, no sentido de que não trazem aquela epifania tão necessária ao gênero.

Juntamente com “O mundo das maçãs” e “O nadador”, o conto “Adeus, meu irmão”, que fala das dificuldades de se relacionar com parentes de que não gostamos, e que talvez seja o conto mais famoso de Cheever, remete a um mundo mitológico ou a uma tragédia moderna, e são em exemplos como esse que o autor atinge um nível mais alto, não apenas nas temáticas como na preocupação com a escrita. O que não tira o mérito de narrativas mais singelas, que adentram os cantos mais escuros dos lares e retratam o mais comum dos homens em seu mais puro cotidiano.

Contos:
Adeus, meu irmão
Depois de um tempo afastado da mãe e dos irmãos, Lawrence volta para encontrá-los na casa de verão da família.

O enorme rádio
Um casal compra um rádio e percebe que ele sintoniza a conversa dos vizinhos do prédio. A mulher começa a se sentir perturbada com o que passa a ouvir da intimidade alheia.

Ó cidade dos sonhos falidos
Um casal e sua filha vão a Nova York para que o pai tente a sorte como dramaturgo e a inocência da família vai fazer com que caiam em algumas armadilhas da grande cidade.

Os Hartley
Casal e filhinha de 7 anos vão a uma pousada no inverno para esquiar, um lugar que haviam visitado antes. A carência da criança e a tristeza da mulher parecem demonstrar que esta família não está bem.

O camponês de verão
Paul passa seus fins de semana de verão em sua fazenda e em um desses dias ele e a esposa estão levando coelhos para os filhos. Lá ele tem que lidar com um funcionário russo de visão política diferente da sua.

Lamento amoroso
Jack e Joan são dois amigos que vão se encontrando esporadicamente ao longo da vida. Jack percebe que sempre que a encontra, Joan está com um homem diferente, todos com grandes problemas.

O pote de ouro
Casal pobre que luta com todas as forças para vencer na vida e as circunstâncias sempre lhes dão uma rasteira.

O Natal é uma época triste para os pobres
Ascensorista de um prédio de luxo passa o dia de Natal trabalhando. De tanto reclamar de sua situação para quem passa pelo elevador, ele acaba conseguindo o que deseja.

A temporada do divórcio
Homem é incomodado por um amigo que se apaixona por sua mulher.

A cura
Homem briga com sua mulher e ela vai embora com os filhos. A vida sem eles acaba sendo bem assustadora.

Os males do gim
Uma menina descobrindo através dos pais e dos funcionários da casa como a bebida pode tomar conta das pessoas.

Oh, juventude e beleza!
Homem que é considerado a alma das festas no subúrbio onde vive de repente se deprime com a chegada da velhice e com a perda da capacidade física de atleta que possuía.

Só mais uma vez
História de um casal que tinha sido milionário no passado e que se apega ainda ao estilo de vida aristocrático.

O invasor de Shady Hill
Homem perde o emprego e, num ato de desespero, decide invadir a casa de um amigo rico para roubá-lo.

O bicho da maçã
O narrador procura onde estaria o problema de uma família tão extremamente feliz como são os Crutchman.

O caminhão de mudanças vermelho
Um casal novo chega na cidade e seus vizinhos o recebem simpaticamente. O novo vizinho, no entanto, tem problemas com bebida e não vai responder da mesma forma.

Só quero saber quem foi
Um homem mais velho casado com uma jovem mulher se vê tomado pelo ciúme através de comentários dos vizinhos.

A cômoda
Dois irmãos disputam uma cômoda, herança de família. Um deles parece interessado demais no móvel, talvez porque ele tenha o poder de trazer um passado que o conforta.

Miscelânea de personagens que ficarão de fora
Uma simples listagem de personagens que ficaram de fora das histórias do autor.

O general de brigada e a viúva do golfe
Homem adúltero tem um abrigo antibombas no quintal e sua amante quer fazer parte da salvação.

Uma visão do mundo
Um homem precisa se isolar do mundo depois que passa a ter sonhos estranhos em que uma frase se repete.

Reencontro
História bem curta em que um filho empolgado por rever o pai depois de muito tempo descobre que ele não tem muito a lhe oferecer.

Mene, Mene, Tekel, Upharsin
Americano morando na Europa visita seu país depois de um tempo e se comove com várias inscrições nas paredes dos banheiros públicos por onde passa.

Marito in città
Homem fica sozinho em casa enquanto esposa viaja e acaba se envolvendo com outra mulher.

O nadador
Um homem resolve voltar para casa percorrendo um trajeto a nado, pelas piscinas da vizinhança e aos poucos vai percebendo que parece ter esquecido fatos importantes de sua vida.

O mundo das maçãs
Velho poeta americano vivendo na Itália está em momento de questionar a vida e sua obra quando faz duas pequenas viagens: uma que o perturba e outra que pode salvá-lo.

Três histórias
A primeira história é sobre a vida de um homem contada por sua barriga. A segunda é sobre tragédias que ocorrem em uma determinada estrada e que estão relacionadas a uma mulher. A terceira é uma viagem de avião em que um homem tenta conversar com uma mulher que não lhe dá atenção.

As joias da sra. Cabot
Uma relato em primeira pessoa sobre alguns momentos da vida pessoal do narrador e sua relação com a estranha família Cabot.

6 comentários sobre “28 contos de John Cheever [Projeto Para ler como um escritor #6]

  1. Lua, eu demorei alguns meses para ler esse livro, lia um conto por vez e ás vezes por conta de outras leituras acabava deixando de lado. Entendo que vc pode ter se cansado, eu certamente me cansaria caso o tivesse lido de forma contínua.
    Gostei muito das 3 Histórias, engraçado como os contos podem chamar atenção dos leitores de forma diferete. Os outros que eu gostei muito: O Lamento Amoroso, o do rádio, Reencontro, Cidade dos Contos Falidos, Os Hartley.

    1. Gláucia, eu também gostei desses que você citou, mas acho que aqueles 3 foram meus preferidos. Já alguns achei bem fracos, mas acho que isso acontece em quase todo livro de contos. Você tem razão, eu fiquei lendo apenas ele e já queria que acabasse logo pois foi ficando cansativo. O ideal é ler aos poucos mesmo pra apreciar cada conto. =)

  2. Essa coleção é um sonho. Mas eu também prefiro ler contos aos poucos, ou acabo me cansando e não aproveito direito. Esse “O enorme rádio” me lembrou algo parecido que acontecia na casa da minha mãe: se a vizinha usasse o telefone sem fio no quintal, a conversa saía na TV do meu quarto. Sério. Bizarro. Eu tive que falar pra ela porque… né? Inexplicável.
    Beijo

    1. Sério, Michelle? hahaha Nossa, que bizarro! Eu também gosto muito dessa coleção, mas por enquanto só tenho uns 4 livros dela, fora que alguns são bem difíceis de achar, não? Beijos, Mi!!!

  3. Lua, que fantásticos esses enredos todos!

    Fiquei interessada pela maioria, mas especialmente pelo conto do ascensorista. O tema da vida cotidiana nos subúrbios americanos/europeus me intriga bastante, e estou ansiosa para começar a ler Eisner. Ele dialoga de alguma forma com John Cheever, com certeza.

    Abraço! 😉

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