Dois romances curtos mexicanos

Festa no Covil – Juan Pablo Villalobos
Logo depois da minha leitura de O Apanhador no Campo de Centeio eu acabei coincidentemente lendo outro romance de formação com linguagem skaz, desta vez na voz de uma criança, o Tochtli, de Festa no Covil. Ele é um menino com idade indefinida, mas com ingenuidade evidente, pois percebemos que ele ainda não é capaz de entender muito bem o que observa em sua casa, ou melhor, em seu “palácio”. Filho de um chefe do narcotráfico, Tochtli não freqüenta a escola – tem um professor particular – e vive isolado do mundo, contando nos dedos as pessoas que conhece, que são os empregados da casa ou os parceiros de seu pai.

Para compensar sua solidão, o pai atende a todos os seus desejos de consumo, tornando Tochtli um tanto fetichista – ele atribui muito poder aos chapéus que usa, por exemplo – e elitista, pois para ele as coisas materiais são medidas apenas pelo seu valor qualitativo e nunca pelo seu valor afetivo. Mas essa compensação não resolve muito seu enorme tédio e o fato de ter que encarar a rotina de violência da casa, muitas vezes para demonstrar que é “macho” para seu pai e que a infância acabou.

O mais interessante no livro é observar como existem duas histórias sendo contadas: uma sob o olhar inocente de Tochtli, com sua maneira de interpretar o que vê; e outra revelada ao leitor, escondida naquilo que a inocência dele não pode perceber. Numa primeira leitura, quando o livro acabou, fiquei um pouco decepcionada com o romance pois esperava um pouco mais de carga dramática, mas como o livro é muito curto, resolvi ler novamente e foi bem melhor, especialmente porque reparei em detalhes de como o autor amarrou tudo de maneira tão criativa. Ainda assim, fiquei com a sensação de que faltou alguma coisa.

Pedro Páramo – Juan Rulfo
Ainda que seja curto, o romance Pedro Páramo é denso e poético, não dá para deixar passar uma só palavra em branco, sob pena do leitor se perder um pouco na prosa de Juan Rulfo – que se limita apenas ao essencial –, mas também porque se trata de uma bela escrita, que deve ser apreciada com calma.

O livro conta a história de Comala, mas em dois momentos diferentes: um de quando esta era uma cidade cheia de vida e outro de quando se apresenta como uma cidade morta, e a figura de Pedro Páramo, o maior dono de terras da região, está diretamente ligada ao destino desta cidade e seus habitantes. Afinal ele não só possui terras como possui pessoas: ele domina a Igreja, na figura do padre Rentería, e domina a lei, através de seu advogado Trujillo e da violência de seus capangas. Seu poder inicia ao herdar as terras do pai e ao casar com Dolores Preciado, pelo simples interesse em fugir das dívidas da família e assim ampliar seu império, a Media Luna. Dolores acaba abandonando-o, apenas para perceber depois que ela é que foi abandonada. Em revezamento com essa história, marcada por sinais naturais como a chuva, que nunca pára de cair, temos uma outra narrativa, esta agora assinalada pelo calor, o agouro dos pássaros e a decadência, em que Juan Preciado, o filho de Pedro e Dolores, volta a Comala para exigir de volta o que seria seu. Mas ele chega à cidade tarde demais, pois vai percebendo aos poucos que todos os habitantes que vai encontrando já morreram.

Este não é um livro fácil de descrever em poucas linhas porque todos seus inúmeros personagens têm densidade e importância para a história, como se fosse um romance russo que se passa no México (ou em qualquer lugar da América Latina). A relação morte e vida é complexa aqui porque a diferença entre quem está morto e quem está vivo é mínima e Comala é quase um retrato do Purgatório, um lugar que não está aqui nem lá, mas algo no meio do caminho, numa possível e bela alegoria à condição dos países latino-americanos.

10 comentários sobre “Dois romances curtos mexicanos

  1. Festa no Covil eu ja venho namorando faz um bom tempo. Mas vem livro atrás de livro e eu acabando deixando sua compra de lado – como sempre. –
    Tenho um enorme interesse pela obra, só me falta ser rico para comprar todos os livros que gosto. Mwuahahahaha.

    Pedro Páramo…. O que é essa capa? Eu desejo! Quando abri seu post para ler eu fiquei um bom tempo enfeitiçado por essa imagem, que coisa mais linda! E a história me parece interessante. Nunca li nada do Juan Rulfo.
    Beijos.

    Jon

    1. Oi, Jon!
      Festa no Covil me decepcionou um pouquinho (especialmente o final) porque eu estava esperando muito, mas vale a pena a leitura!
      Pedro Páramo é muito bonito, esse sim consegue ser curto e dramático o suficiente, mas é até covardia, pois é considerado um clássico mexicano.
      Pois é, essas capas deixam a gente hipnotizados mesmo! =)
      Beijão!

  2. Desde a primeira resenha que li de Pedro Páramo, decidi que leria o livro. Até já o tenho aqui na estante, esperando sua vez.
    Festa no Covil é outro que despertou minha atenção já pelo nome e pela capa belíssima. Gosto de histórias narradas por crianças, quando coisas importantes são ditas nas entrelinhas. É mais um da lista de leitura, com certeza!
    bjo

    1. Michelle, é bem bacana o recurso da narração infantil neste livro, ele fez isso bem, mas achei que faltou alguma substância no enredo, ou então eu não tive substância para entendê-lo, rs. Mas realmente a capa é linda e adoro o título dele em inglês (Down The Rabbit Hole) porque faz referência ao nome Tochtli, que significa coelho. =) Beijo!

  3. Lua,
    para mim Pedro Páramo é um livro INCRÏVEL!
    Uma escrita que desafia o tempo e o espaço e fala daquilo que é mais essencial ao homem: a sua busca de identidade em meio a família, a sua origem geográfica e suas vivências e ausências.
    Eu achei fantástico como ele mesclou “realidade”, ilusão e reflexões/pensamentos de forma tão mágica e condensada ao mesmo tempo.
    Tenho vontade de reler já, acredita? rs
    Beijos!
    PS: Não li a parte da resenha do Villalobos, pois estou com o Festa no Covil aqui esperando na pilha de livros… ; )

    1. Realmente, Mercedes, este é um livro único! São tantas questões que o livro suscita que eu nem me atrevi a enumerá-las, até porque a minha proposta é fazer textos curtos aqui no blog. Acredito que seja daqueles livros que quanto mais você lê mais você descobre coisas, eu tive que ler duas vezes porque na primeira eu estava doente e não consegui me concentrar como deveria. Ah, caso você não tenha encontrado o filme, eis aqui o link da parte 1:

      Beijos!!!! =)

  4. Acredita que ontem eu estava conversando com minha irmã, pois que queria muito conhecer autores mexicanos..e venho aqui e vejo essa dica…já salvei os livros para pesquisar mais…bjs

  5. Eu vi seu comentário no video da Denise e procurei sua resenha do Festa no Covil porque até entao eu só estava encontrando gente que amou o livro, o que nao foi o meu caso.
    Nao fiz uma releitura como vc, entao só posso falar do que senti quando terminei: fiquei frustrada.
    A história é engracadinha, mas tenho certeza que vai ser rapidamente esquecida. Aliás, já nao lembrava mais do final (e li nao tem nem um mês, rs).

    1. Oi, Mimi! Eu gostei de alguns recursos de escrita que ele usou e gostei da história também, mas como você fiquei meio frustrada no final, como se o livro precisasse de mais “tutano”, sabe? Beijinho!

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