Cem Anos de Solidão – Gabriel García Márquez

Imagine um velho baú onde são guardados lindos vestidos de festa esperando serem usados para uma ocasião especial. Às vezes minha relação com a literatura é semelhante. Eu guardo livros para depois, imaginando que ainda não chegou a hora de lê-los. Como essa história de guardar não combina com minha visão sobre as demais coisas da vida, nos últimos tempos resolvi começar a tirar a poeira desse baú, e um dos livros guardados era Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez.

Este livro conta a história de 7 gerações dos Buendía, uma família que inicia com o casamento de dois primos, José Arcádio e Úrsula, e que, juntamente com outras famílias, fundam uma aldeia chamada Macondo, às margens de um rio. Quando José Arcádio, cujo nome já entrega sua vida simples e idílica, encontra-se com Melquíades, o cigano que traz magia e ciência para a aldeia, os homens da família Buendía não têm mais como escapar de suas jornadas marcadas pela curiosidade, ainda que com uma grande tendência ao resguardo e à introspecção quando a vida se torna difícil. Úrsula, de espírito forte e prático, será a grande mãe de todas as gerações, lutando para oferecer alguma sanidade ao que ela chama de casa de loucos. Ao longo da narrativa observamos que os dramas da família vão se repetindo através das gerações e isso é marcado pelos nomes dos personagens, que são sempre os mesmos, levando com eles suas sinas.

“Na longa história da família, a tenaz repetição dos nomes tinha permitido que ela chegasse a conclusões que lhe pareciam definitivas. Enquanto os Aurelianos eram retraídos, mas de mentalidade lúcida, os José Arcádio eram impulsivos e empreendedores, mas estavam marcados por um destino trágico.”

A casa dos Buendía é o espaço que vai refletindo a alma da família, com seus cômodos povoados de fantasmas e lembranças; cheia de luz e vida com a mão de Úrsula, sombria e abafada com a presença de Fernanda. Curiosamente um primeiro título do livro seria “La Casa”, pois toda a história é contada a partir de quem está morando nela, e ela parece não só espelhar os personagens como também interferir em seus cotidianos de forma mágica. Em um de seus quartos, por exemplo, é sempre uma segunda-feira de março:

“José Arcádio Segundo não estava tão louco como dizia a família, e era o único que dispunha de lucidez suficiente para vislumbrar a verdade de que o tempo também sofria tropeços e acidentes, e portanto podia se estilhaçar e deixar num quarto uma fração eternizada.”

Macondo é a extensão da casa dos Buendía e também sofre transformações conforme o destino da família. Ela passa de aldeia livre e quase pagã a uma cidade puritana e tradicional com a chegada das instituições, até que chegue a seu ponto máximo de desenvolvimento, rechaçado por uma intervenção da natureza, que a levará ao seu declínio. Assim como a família, Macondo não pode sobreviver muito tempo com as irrupções estrangeiras: não por acaso seu primeiro morto era de fora, e ele trouxe a morte e os mortos para um lugar em que ninguém havia morrido ainda.

“Macondo era um povoado desconhecido para os mortos até que chegou Melquíades e apontou um pontinho negro nos coloridos mapas da morte.”

Nesta história, no entanto, muitos mortos têm mais vida que alguns vivos e suas presenças na casa, assim como todos os elementos fantásticos do livro, não trazem assombro ou temor, pois a morte e a vida, a imaginação e o real são uma coisa só. Os membros da família também parecem constituir uma unidade, rodando uma mesma ciranda dramática, ainda que vivam tantos episódios diferentes. Sem querer reduzir os incríveis personagens do livro, os inúmeros Arcádios e Aurelianos, Amarantas e Remédios parecem formar manifestações de um grande personagem Buendía, marcado pela tragédia, a loucura e a solidão, destinos previstos nas cartas de Pilar e nos escritos de Melquíades.

Sempre ouvi alguns comentários de que Cem Anos de Solidão não era uma leitura fácil. Para mim foi uma das leituras mais deliciosas de todos os tempos, daquelas para saborear cada palavra, cada página, e ao mesmo tempo sentir urgência por não querer parar de ler. Difícil mesmo é registrar a leitura de um livro tão grandioso e poético lendo-o apenas uma vez. Perdi tempo, eu sei. Esse não é um livro que precise ser guardado; pelo contrário, é daqueles que devem ser relidos quantas vezes a vida permita.

20 comentários sobre “Cem Anos de Solidão – Gabriel García Márquez

  1. Oi, Lua! Eu adoro García Márquez. ‘Cem anos de solidão’ foi o primeiro livro que li dele. Fiquei fascinado pelo autor! Acho que a única dificuldade do livro é a imensa família, muitos nomes iguais. Por vezes isso me confundiu, mas foi um dos melhores livros que li até hoje!

    1. Os nomes iguais podem confundir, realmente, Sandro! A minha edição tem uma árvore genealógica e eu ficava consultando sempre pra não me perder.
      Agora tenho que ler os demais livros do autor e recuperar o tempo perdido! Beijos!!! =)

  2. Luna, “Cem anos…” é um dos meus top 5 (talvez em primeiro lugar…). Para mim, a única dificuldade do livro foi a confusão com os nomes repetidos – senti falta de ter montado uma árvore genealógica para não me atrapalhar (o que pretendo fazer quando o reler). Mas isso não me atrapalhou de ter me apaixonado por cada parágrafo, por cada personagem, por cada situação absurda! Realmente, é uma pena que vc tenha deixado um tesouro como esse escondido, mas o importante é que vc o descobriu ainda a tempo de se deliciar com ele inúmeras vezes!

    1. Ette, realmente é um livro maravilhoso, sem dúvida virou um dos preferidos que já espero que chegue o tempo de reler. Eu tive a sorte de ter uma árvore na minha edição que facilitou um pouco, mas é realmente complicado em alguns pontos do livro. Enquanto não chega o tempo de reler vou conhecendo o restante da obra dele. Beijo! =)

  3. Meu primeiro livro do Gabriel foram os Doze Contos Peregrinos e fiquei tão encantada, que fui atrás dos outros livros dele. Quando eu comecei a ler Cem Anos de Solidão não conseguia parar e é daqueles que você sempre vai reler e encontrar coisas novas. E realmente, os personagens com os nomes repetidos são a grande dificuldade, mas de resto é uma leitura simples. Já leu Amor nos tempos do cólera? Para mim é a maior história de amor escrita em todos os tempos!
    Beijos
    Tati

    1. Ainda não li, Tati! Mas estou ansiosa para ler a obra dele! Não sei nem por onde começar, mas tenho certeza de que todos serão maravilhosos.
      Beijão, querida! =)

  4. Cem Anos de Solidão foi meu primeiro García Márquez e me fez cair de amores pelo autor. Realmente é difícil começar a ler esse livro, com muitos nomes repetidos e mistura de realidade e imaginação, mas depois de umas quinze páginas você pega o jeito e vicia, não consegue mais largar a história. Desde então li 3 obras do autor e tenho outras na estante aguardando pacientemente. Esse que mencionaram, Amor nos tempos do cólera, é um dos que quero muito ler.
    Superbeijo!

    1. Oi, Michelle! Eu não achei difícil porque eu já sabia o que esperar, era quase como se eu já tivesse lido algo dele, sabe? Mais pro final eu tive que “guardar” um pouquinho o livro porque não queria que acabasse, rs. Beijinho, querida!

  5. Olá!

    Este ano também li Cem Anos de Solidão e adorei, é impressionante a forma que o autor escreve, tem q ser realmente gênio para escrever aqueles nomes repetidos sem se perder. Gostei muito da sua resenha, ela conseguiu mostrar o quão encantador é o livro.

  6. Lua,
    eu achei lindo a sua alma guardadora de livros; como quem guarda a beleza…
    Também faço isso, mas ao contrário: Tipo – estou me guardando para ler Dostoieviski (o que pode ser ruim por criar demasiada expectativa, não é?). Mas sei que vai chegar a hora, rs.
    Com Gabo foi o contrário: meus pais eram seus fãs e eu queria ler todos os livros dele quando era adolescente… Li Cem Anos de Solidão bem nova e já tentei reler uma vez (quando minha filha nasceu), mas acabei frustrando o intento por circunstâncias da vida…)
    Agora, estou justamente lendo Gabo em ordem cronológica (desejo literário realizado é uma alegria sem tamanho) e estou maravilhada com as primeiras obras dele tb…
    A Revoada (a primeira, primeiríssima?) é de uma beleza e uma linguagem belíssimas… Estou apaixonada. Voltei a Macondo (pq o livro se passa lá) e ao realismo poético fantástico do Gabo de um só golpe e aos temas que tanto me despertam a alma… A solidão, o encontro com a solidão do outro e o desencontro entre as almas na vida.
    Amo demais!
    E sua resenha está linda!
    Super beijo!

    1. Mercedes, comprei A Revoada esses dias, justamente porque você tinha comentado sobre a ordem cronológica. Acho que vou ler em breve, depois trocamos impressões! 🙂
      As circunstâncias da vida realmente podem adiar algumas leituras, no meu caso eu acabei deixando muita coisa pra depois e agora estou querendo recuperar isso. Beijos, querida! =)

  7. Este livro sempre esteve na minha wishlist, pero, mal sabia do que a história se tratava. Do Gabito só li “Do Amor e Outros Demônios” até o momento.
    Ler a tua opinião a respeito só me deu mais vontade ainda de ler-o!

    Beijão querida. :-*

  8. “Cem Anos”…! Já ouvi falar tanto do romance (em Letras e fora do curso), mas nunca me aproximei muito dele. Acho que é o tipo de leitura de eternidade, que nos dá a oportunidade de vivermos muitas vidas, por muito tempo. Um épico, então?

    Era já leitura obrigatória pra mim, mas sua resenha linda me ajudou a lembrar disso.

    Beijão, querida!

    1. Obrigada, Jéssica! Que bom que convenci mais uma pessoa a ler este livro! Espero que goste, quando ler, é lindo! =)

  9. Esse é um livro da vida toda. Pra mim, até o momento, esse e o Grande Sertão: Veredas são livros que a gente tem que ler e reler e cada leitura se constrói de forma diferente e a gente vai crescendo junto com a obra.
    De tirar o fôlego e de deixar a gente impressionada, como alguém pode escrever uma obra dessa? Definitivamente, eu vivo pra ler livros maravilhosos como esse. Espero viver o suficiente para reler e reler…
    Bjus Lua querida

    1. Cah, Grande Sertão é outro clássico que quero ler ainda esse ano, ele fica bem do lado da minha mesa esperando a hora dele chegar.
      Achei lindo o que você falou, de viver para ler livros como esses, acho que me identifico, rs. Beijos!!! =)

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