Tirza – Arnon Grunberg

interlunio41-tirzaJörgen Hofmeester vive com sua filha caçula Tirza em uma bela casa na área nobre de Amsterdã. A filha mais velha, Ibi, vive na França, e a mãe delas deixou a família há alguns anos. Tirza também se prepara para sair de casa, pois vai fazer uma grande viagem pela África, já que acabou de terminar o colégio e quer viajar antes de iniciar a faculdade. Jörgen se depara com a realidade de ter que ficar sozinho no final da vida, especialmente por ficar longe de Tirza, sua filha preferida, sua “rainha do sol”.

Às vésperas da festa de comemoração de formatura de Tirza, a esposa de Jörgen resolve voltar para casa como se nada tivesse acontecido. A esposa é uma mulher completamente sem amarras com as filhas, que não se encontrou no papel de mãe e que se sente livre para fazer sempre o que quer. Ela não tem a menor intenção de se despedir da juventude, e os dois se odeiam. Preocupado com que as coisas sempre sejam perfeitas, ele aceita a presença da esposa e ao mesmo tempo se vê às voltas com os preparativos para a festa.

De início pensamos que essa história vai ser um drama familiar comum. No entanto, à medida que o personagem Jörgen se mostra mais e mais – o ponto de vista da narrativa é todo dele –, percebemos que não é tão simples assim. Este é um homem que quer fazer tudo da maneira mais correta e civilizada possível. Pelos preparativos da festa percebemos o quanto ele quer agradar, o quanto ele quer que tudo saia perfeito, o quanto ele se preocupa com o que as pessoas vão achar da sua vida, da sua casa, do seu sushi e dos drinks que ele prepara. A preocupação em agradar é tão doentia que ele é extremamente diplomático com quem mais odeia e o fere. No entanto, quanto mais ele tenta ser amável, menos as pessoas gostam dele. A festa de Tirza é quase uma alegoria da sua própria vida, a tentativa de fazer tudo da maneira mais perfeita e apresentável e no entanto falhar de todas as maneiras, pois sua verdade não está representada naquela casa luxuosa, mas no seu quartinho de ferramentas, o lugar para onde vai apenas quem quer se esconder da festa.

“Esta festa tem de ser perfeita, é preciso provar que os boatos que circulam sobre ele não são verdadeiros. O quanto é bem-sucedido, é isso o que quer dizer, é isso que quer mostrar a todos, o quanto foi bem-sucedido na vida, o quanto suas filhas são bem-sucedidas.”

As aparências são o que importa para Jörgen, mas se há uma palavra-chave que possa resumir esse livro – e que aparece por toda a narrativa–, ela poderia ser controle. Quando as coisas na vida não saem como se espera, o ser humano tende a procurar controle por outras vias, desde o mais inocente hobby, passando por manias e doenças, até as piores perversidades. E o que mais falta em Jörgen é controle, pois nada acontece como ele espera, e nem poderia, já que ele precisa desperadamente dos outros para ter o que deseja. E isso ocorre com todos os personagens do livro, em um ou outro momento de suas vidas. É uma história, portanto, sobre o que a falta de controle pode ocasionar, sob as mais variadas formas.

Com esse personagem é possível perceber o quanto é fácil racionalizar nossas loucuras, como os atos mais absurdos podem encontrar facilmente uma justificação, como o homem comum, com pensamentos semelhantes a qualquer um outro, pode ultrapassar limites. Não é à toa que a esposa de Jörgen não tenha um nome, afinal ela serve apenas como seu espelho, o seu lado oculto e sombrio, uma imagem dele mesmo que ele não quer ver. Com esse incrível personagem, construído de forma tão complexa e exata, se percebe como alguém culto e civilizado pode simplesmente tirar os sapatos e entender que a Arte e a Civilização não dão conta de tudo o que o homem é feito.

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Escolhi e recebi este livro como cortesia da editora parceira Rádio Londres.

7 comentários sobre “Tirza – Arnon Grunberg

  1. Lua, que texto incrível! Adorei esse lance da necessidade de controlar tudo e da certeza de que nada pode ser controlado. Agora sim entendi todos os elogios que o livro está recebendo. Amei. ❤

  2. Lua, acabei de ler Tirza e fiquei dividida entre dois sentimentos: O encantamento pelo talento e trabalho do autor e a surpresa pelo final. Nossa! Já escrevi um roteiro e pretendo gravar um vídeo sobre ele já amanhã (se acordar a tempo de fazer isso antes da hora de ir para o trabalho).
    A sua resenha está fantástica!
    Beijo grande!

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