2001: uma odisseia no espaço e Mundos perdidos de 2001 – Arthur C. Clarke [Fórum Entre Pontos e Vírgulas] [Projeto Kubrick]

59_2001Este texto participa do Fórum Literário Entre Pontos e Vírgulas. Como é voltado para pessoas que leram o livro, contém revelações sobre o enredo.

2001: uma odisseia no espaço é um livro que foi escrito com uma técnica singular, pois ao mesmo tempo que escrevia o roteiro para o filme que ia ser dirigido por Stanley Kubrick, Clarke ia expandindo suas idéias em forma de romance, tendo que lidar com constantes intervenções do diretor. O resultado desse processo que durou 4 anos são duas obras que se complementam, pois enquanto o livro de Clarke tem um caráter um tanto de ensaio, mais envolvido em oferecer respostas ao leitor, o filme de Kubrick tem um propósito mais preocupado com a estética e com a pergunta em si. Ele não facilita as coisas para quem assiste ao seu filme, haja visto que muitas pessoas têm dificuldade de entender algumas cenas, afinal sua intenção era trabalhar as emoções que despertam o inexplicável. No mais, o propósito dos dois artistas não era humilde: mostrar a evolução do homem, de onde viemos e para onde possivelmente vamos.

No início do livro, acompanhamos um grupo de homens-macacos que está prestes a entrar em extinção devido a constante seca, a falta de alimentos e a vulnerabilidade perante os animais ferozes. Embora fossem seres com uma inteligência superior a outros animais semelhantes, eles não possuíam nenhuma outra vantagem natural que pudessem ajudá-los a sobreviver. Sem garras, sem dentes afiados e com pouca destreza, perecer era o futuro mais provável.

Até que surge uma “nova rocha” em seu território, uma placa retangular transparente que causa certa curiosidade e que vai acabar modificando suas vidas para sempre. A placa emite ordens e emoções a esses seres, manipulando suas mentes para que desenvolvam desejos que não conheciam. Nasce a consciência da falta e com ela o despertar da violência, necessária para abater outros animais e facilitar a sobrevivência. Aprendem a usar ossos e pedras como armas e utensílios; entendem que, se não nasceram com uma qualidade, ela pode ser desenvolvida externamente. Nasce, portanto, a tecnologia, e com ela a salvação da espécie. Com o tempo, surge o Homem propriamente dito e com ele a Linguagem, a mais poderosa arma para a espécie permanecer no planeta, já que é através dela que o homem passa as informações adiante no tempo.

Temos um salto na história. A conquista do espaço é o estágio a que aquele ser primitivo chegou, depois de milhões de anos. A Terra mais uma vez se encontra numa situação crítica pois está superpopulosa, falta comida e os países estão numa tensão que os levará a uma grande guerra. O astronauta Heywood Floyd é chamado às pressas para uma viagem à Lua. Ao chegar, toma conhecimento da descoberta de uma placa retangular com idade mais antiga que os seres humanos, que estava enterrada na cratera de Tycho. Uma comprovação de que há ou que houve vida inteligente fora da Terra. No momento em que a luz do sol entra em contato com a placa, um sinal é emitido para o espaço.

Algum tempo depois, David Bowman e Frank Poole são astronautas a bordo da nave Discovery, que tem como missão uma exploração de Saturno. Além deles há mais 3 tripulantes hibernando, que devem ser acordados apenas ao chegar ao planeta, e o computador HAL 9000, o cérebro da nave. Somente HAL e os tripulantes que hibernam sabem o real motivo da missão. Em determinado momento, quando já estão próximos de Saturno, ocorre um suposto problema na antena da nave e Frank acaba morrendo, ao tentar consertá-la. Bowman desconfia que HAL esteja por trás disso e aos poucos vai percebendo que está à mercê de um assassino.

Enquanto toda a tripulação é executada pela dissimulada máquina, David consegue escapar por pouco e desliga HAL. Só então ele é orientado para a verdadeira missão da Discovery: encontrar o destino do sinal enviado pela AMT-1, a placa encontrada na Lua. David encontra uma nova placa, dessa vez em Jápeto, lua de Saturno. É o Portal das Estrelas, por onde David entra para ser engolido por um Espaço avesso. Ele viaja por esse túnel e é expelido para o que ele entende como espaço novamente, mas aparentemente em outro tempo/espaço, com um enorme Sol vermelho. No final de sua viagem ele se encontra repentinamente em uma sala semelhante a um quarto de hotel. Ao dormir, sua vida regride como um filme e suas lembranças são guardadas para serem armazenadas em outro lugar. Até que ele “nasce” novamente e se transforma em outro ser que não precisa de matéria, embora se visualize como um bebê. O Homem retorna como um novo ser, pronto para dar à Terra uma nova etapa da evolução humana.

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Com pequenas diferenças, o filme de Kubrick conta a mesma história, mas de uma forma mais misteriosa e simbólica. Ele não trabalha, por exemplo, os problemas de superpopulação e escassez de recursos na Terra, apontados por Clarke. O que foi ótimo, porque esse é um dos defeitos do livro. São problemas que ficaram soltos e sem propósito no romance como um todo, uma situação que não leva a lugar nenhum.

Um dos momentos mais emocionantes do livro e do filme, sobretudo do filme, é o da “morte” de HAL. Muitas vezes o computador parece mais humano que os tripulantes, com seu olho de lente vermelha e seus pigarros eletrônicos, mas isso serve para mostrar que essa diferença já está ficando mínima e que a tendência do homem é se tornar algo muito próximo à máquina e vice-versa, até que um dia o que entendemos por consciência nem mesmo precise de um invólucro.

Ao entrar no Portal das Estrelas, ou no buraco de minhoca, David viaja no tempo e no espaço de uma forma que explicaria como as jornadas dos seres extraterrestres se dariam sem levar milhares de anos. E é através desse atalho que ele chega ao local onde irá se preparar para a próxima etapa. Ele agora é um novo elo entre o que foi e o que virá, um novo ser que levará os humanos a uma nova aurora. Kubrick é genial ao usar a mesma música – Also Sprach Zarathustra, de Richard Strauss – nos dois momentos cruciais da evolução.

Como em muitas histórias de Ficção Científica, as idéias apresentadas são mais importantes que a vida pessoal dos personagens, o que pode desconectar o leitor comum, acostumado a se envolver com os problemas cotidianos da vida. Não gostamos de pensar em problemas grandiosos, na imensidão do Universo e coisas assim porque isso nos lembra o quanto somos insignificantes diante de tudo.

No entanto, em algumas versões do romance, Clarke teria trabalhado a reação das pessoas ao constatarem a existência de vida inteligente fora da Terra. A situação política mundial mudaria: o pavor de uma inteligência superior faria os homens se unirem, esquecerem as divisas e diferenças. Além disso, alguns personagens, especialmente Bowman, também teriam suas vidas e personalidades mais desenvolvidas nestas outras versões, mas acredito que nessa história Bowman precisava mesmo ser esse homem mais genérico, que representa a humanidade inteira, e nesse sentido a escolha por eliminar os detalhes de sua vida pessoal pode ter sido necessária.

08_2001mundosEssas e outras versões da história podem ser contempladas em Mundos Perdidos de 2001, um relato de Clarke sobre sua história com Kubrick e sobretudo capítulos descartados do romance. Muitas idéias para o livro e o filme foram aos poucos sendo descartadas ao longo dos anos que trabalharam juntos, especialmente por Kubrick, que não queria explicações demais e nem queria comprometer o filme, caso não houvesse recursos cinematográficos: enquanto na Literatura tudo é possível, o Cinema é limitado pelos efeitos disponíveis.

Ao mesmo tempo, Kubrick não queria que as duas obras tivessem uma validade curta, que é o que acontece com muitas narrativas que tentam prever o futuro.

“Tínhamos de antecipar o futuro. Uma forma de fazer isso era estar tão à frente do presente que não houvesse perigo de sermos superados pelos fatos. Por outro lado, se fôssemos muito longe correríamos o grave risco de perder o contato com o público.”

Entrar em contato com essas versões anteriores mostram que Kubrick estava certo. Alguns capítulos são muito didáticos; a versão final nos faz pensar mais e deixa tudo mais generalizado, pois o livro pode ser interpretado de várias formas.

Mas Mundos Perdidos de 2001 não deixa de ser um texto curioso para quem quer entender melhor as questões tratadas no romance, bem como pensar em outras: como seria um encontro mais direto dos seres humanos com alienígenas quando eles ainda nem sequer poderiam ser considerados humanos? E se Bowman se encontrasse com civilizações de outros planetas? Por que esses seres superiores que não aparecem deixaram um plano esquematizado para que os seres humanos evoluíssem?

Além disso, o livro também traz um pouco dos bastidores da concepção do roteiro e das filmagens, como por exemplo o momento em que Clarke telefona para Isaac Asimov para tirar dúvidas científicas. Por falar em Asimov, uma das cenas descartadas mostra o treinamento de HAL (que chegou a se chamar Sócrates e chegou a se chamar Athena, com uma voz feminina). Nela as Leis da Robótica são citadas, o que causaria um efeito bem irônico, considerando o que HAL acaba fazendo depois.

Às vezes parece absurdo projetar coisas tão distantes de nossa realidade e abrir tanto espaço para o mistério, mas não se pensarmos que hoje vamos ao espaço, enquanto há tempos atrás éramos homens-macacos tentando sobreviver até o próximo nascer do sol. Acredito que a força da obra de Clarke e Kubrick é justamente a de nos levar a pensar nessas grandes questões, a despeito de nossas vidas individuais, que são tão curtas e nas quais raramente lembramos que somos meros membros de uma espécie.

“Só uma cultura de viajantes espaciais pode verdadeiramente transcender seu meio ambiente e juntar-se a outras, dando sentido à criação.”

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*Desde que li Laranja Mecânica fiquei com vontade de ver, e em alguns casos rever, os filmes de Stanley Kubrick que são baseados em livros, o que acabou se transformando em um pequeno projeto meu de leitura: o Projeto Kubrick.

12 comentários sobre “2001: uma odisseia no espaço e Mundos perdidos de 2001 – Arthur C. Clarke [Fórum Entre Pontos e Vírgulas] [Projeto Kubrick]

  1. Essa edição é muito bonita. Sempre tive vontade de ler o livro – até um tempinho atrás, veja só, ele era raridade. O filme é excelente. Paradão, acho que muita gente diz isso, mas tem sua beleza.
    Quero muito esse livro.
    Abraços.

  2. Eu tive que ler o post porque provavelmente não vou ler esses livros tão cedo. E sem contar que tenho sérios problemas com literatura de ficção científica, né? É um universo totalmente novo para mim. Até mesmo o filme, não vi inteiro. Acho que, neste caso, vou investir primeiro na adaptação para depois me arriscar nas páginas…rs
    beijo

    1. Michelle, dá pra assistir ao filme antes, sem problemas, pois o Kubrick foi mais hermético e talvez seja até melhor fazer esse caminho e depois ver o filme de novo, depois de ler o livro. =)

      1. Lua, pulei direto para os comentários porque ainda pretendo ler o livro nesse semestre. E gostei do conselho e vou ver primeiro o filme, depois o livro, e depois o filme de novo, rs.
        bjs!

  3. Oi, Lua! Adorei o post e estou adorando o fórum também! Acho tão chato ler um livro e não ter com quem comentar… Ao contrário do pessoal que comentou aqui e de algumas pessoas lá no fórum, eu gosto de ficção científica, então para mim foi uma leitura ótima.
    Beijo!

    1. Oi, Eduarda! Eu também simpatizo com a Ficção Científica, apesar de haver ainda vários clássicos do gênero que nunca li. Que bom que você está gostando da discussão lá no fórum, sempre que puder, participe! =)
      Beijo!

  4. “Ele agora é um novo elo entre o que foi e o que virá, um novo ser que levará os humanos a uma nova aurora.”

    Fantástica resenha, Lua! :)))

    Já estou com o romance na lista de leituras do ano, e já assisti ao longa algumas vezes. Quem sabe, depois, não me aventure por Mundos Perdidos também?

    2001 é realmente uma das obras máximas do nosso tempo, com tanto a ser dito (e mostrado) sobre nós e a imensidão que, sem dúvida, nos cerca por aí.

    A grandiosidade e lucidez de Kubrick e Clarke chegam a ser assustadoras para nós, mortais. rs

    Um grande abraço.

  5. Lua linda, acabei de ler o livro e vim ver seu post que estava salvo aqui há um tempão pra ler. Nossa, esse livro mexeu muito comigo e acabei revendo o filme, que já era um dos meus preferidos da vida e agora ficou mais. Acho que a literatura me ajuda a exercitar todos os dias essa sensação de insignificância que você falou mas a ficção científica eleva isso a um outro nível, com certeza! Vou procurar o Mundos Perdidos de 2001, deve ser muito interessante.

    Beijos!

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